Em meio a um mar de problemas, desafios e dores, e até mesmo com o falecimento do pai de um amigo próximo, recebi ontem o convite para assistir a uma palestra de Jordan B. Peterson que ocorreu em um ginásio maior do que o Maracanãzinho do Rio de Janeiro.
Quem não está familiarizado com Peterson, imagina que sua palestra deve lotar um ginásio por causa de um conteúdo similar ao dos palestrantes de autoajuda ou ao marketing do gênero “aprenda a vender com com quem nunca teve sucesso”. A impressão se desfaz nos primeiros minutos da palestra do psicólogo canadense, pois sua voz é baixa, nada enérgica, mas cada palavra que sai de sua boca faz com que a platéia permaneça tão curiosa que um ouvido atento se questiona o que de tão grandioso está sendo dito ali. Na verdade, mesmo um desatento fica perplexo.
Peterson iniciou falando de uma conversa que teve com um amigo (provavelmente cunhado, não me lembro bem) sobre os problemas metafísicos, teológicos e filosóficos da criação de uma inteligência não-humana e suas consequências (assunto que tratarei em uma outra oportunidade).
Em seguida, mencionou que fora convidado para testemunhar no Senado americano sobre o perigo da Inteligência Artificial em uma espécie de comissão técnica similar às que temos no Brasil. “Desconvidado” dessa comissão por razões infundadas e por pressão dos democratas, comentou que os motivos eram irracionais, embora o que chamou a atenção de Peterson mesmo foi o fato de terem mentido sobre o cancelamento da participação dele no evento. Após explicar que a mentira é parte constitucional do marxismo, apontou para o que considera o coração do pensamento marxista: a inveja.
Expôs que o marxismo é a doutrina da inveja, onde quem possui uma maior quantidade de bens materiais é mau enquanto o bom homem é o que está sendo oprimido pelos ricos e consequentemente sem bens (ou com menos bens que um outro qualquer). Foi nesse momento que Jordan B. Peterson deixou claro a sua marca. Sua abordagem não contemplou o que muitos podem observar. Trouxe aquele ângulo de observação análogo ao de uma pessoa que precisa se agachar para ver o que está por debaixo da cama.
Explicando como de fato pensa um marxista, a todos lembrou da necessidade de estudar o assunto, pois um desconhecedor do marxismo não entenderá os movimentos inspirados por esse pensamento revolucionário, como a agenda WOKE (termo em inglês que significa “desperto”). E concluiu que “o marxismo é a cientificação do comportamento de Caim”.
Ciente da possibilidade da platéia menosprezar as motivações religiosas de um povo de milhares de anos atrás, apontou que quase ninguém dos tempos atuais conseguiria viver sob as condições de nossos ancestrais. Os que riem de um povo que pensava comunicar-se com a eternidade por meio da fumaça de um sacrifício, como fez Abel, em geral não estão dispostos ao mínimo de esforço necessário para obter sequer bens materiais, o que explica o número dos que seguem tiranos e idolatram estruturas totalitárias. Quem não é capaz de sacrificar algumas horas para a obtenção dos bens materiais de hoje, impensáveis aos reis no passado, nunca compreenderá a mentalidade de povos antigos dispostos a sacrificar o que tinham de melhor para oferecer ao que pensavam ser o mais sublime: a divindade que habita na eternidade. Foi um tapa com luvas de pelica. Peterson mostrou que o conforto proveniente do avanço tecnológico, embora tenha sua utilidade e prazer, impede o observador atual de olhar para o passado como quem sabe de fato em quais circunstâncias e dificuldades viviam os homens de então.
O homem atual é a prova da veracidade da mensagem contida na história de Caim e Abel, ou seja, cada pessoa pode narrar algo similar dentro de sua própria experiência: a relação conflituosa entre quem sacrifica o que mais ama para agradar a razão de seu amor e aquele que para obter o desejado não está disposto a sacrifícios e busca vias mais confortáveis. O resultado entre esses dois será sempre o êxito do primeiro e a frustração do segundo. E se o conflito continuar, o invejoso e preguiçoso terminará querendo eliminar o exitoso, uma vez que ele mesmo é incapaz de emendar-se e melhorar. A inveja proveniente da preguiça é a seiva do pensamento marxista, apresentado em uma versão idêntica ao enredo de Caim, com um figurino atualizado apenas. É a mesma história. O mesmo roteiro. O mesmo fim. O que é o genocídio comunista senão uma atualização da história de Caim?
No momento das perguntas apresentadas por Dave Rubin ao fim do evento, é importante registrar que Peterson mencionou um poeta e amigo, colega de profissão na universidade de Toronto, dizendo que cada palavra saída da boca do poeta era esculpida e polida, uma demonstração da profundidade da beleza e da verdade tão abandonada hoje em dia. A poesia, a beleza e a arte não podem ser esquecidas, disse. E após uma pausa, olhando para o chão mas pensando em um mosteiro na Áustria onde concluirá seu próximo livro, disse: “não existe fim na profundidade da beleza e da verdade”.
Como era proibido usar celular para gravar o que fora dito na palestra, fiquei apenas com minhas notas e minha memória, mas muito do que foi dito acabou ficando para trás. Com o tempo vou recordando e trazendo para vocês o que aprendi nessa noite que vi um psicólogo clínico lotar um ginásio esportivo para falar de Caim sob um aspecto filosófico. Não foi a primeira vez que o vi e não será a última.